Literatura Infantil e mediação de leitura

Pelo olhar de Sônia Travassos

FOTO com livro do Zé Lelé

Por Sallisa Vasco

Sônia Travassos é contadora de histórias e escritora de livros para crianças, tem em sua formação a especialidade em Literatura Infantil e Juvenil (UFRJ), é doutoranda em Educação (UFRJ), e publicou os livros: Bicho-papão pra gente pequena, bicho papão pra gente grande (Ed. Rocco); Uma história para três meninas (Ed. Positivo); Meu avô tem oito anos (Ed. Globo); Meu Zé Lelé de Estimação (Escrita Fina); A História do Pingo (Escrita Fina); Bichos-papões de escola (Ed. Mar de Ideias).

Sônia conversou com a Astrolábio sobre o assunto, confira:

Sônia você atua há 25 anos na promoção da leitura e da literatura junto a crianças, jovens e professores, e na sua experiência, o que avalia que tem mudado na literatura infantil nestes últimos anos?

Acredito que hoje contamos com uma produção literária brasileira cada vez maior e de mais qualidade também. No mercado editorial brasileiro também vêm chegando muitos títulos de outros países, o que considero geralmente positivo, devido à qualidade destas publicações (também em termos gráficos) e que contribuem para a ampliação cultural do público que lê literatura infantil, seja na escola ou fora dela. Com relação ao trabalho de promoção da leitura junto a jovens, crianças e professores, muitas discussões sobre a leitura literária vêm sendo pauta de estudos. Também muitas experiências desenvolvidas, dentro e fora da escola, vêm sendo divulgadas. Eventos, como feiras de livros e festas literárias têm também se multiplicado, alargando as possibilidades do livro infantil chegar a diferentes leitores, mas em termos de formação de professores que possam atuar cada vez com mais com a literatura infantil, de forma que contribua com a formação de leitores, que contribua com a experiência estética que o contato com a arte da literatura poderia fazer acontecer, acredito que ainda sejam necessárias mais discussões e pesquisas a esse respeito.

No incentivo à leitura você tem considerado a questão das categorias de conteúdos literários relacionados a faixa etária e outros gêneros de grupos, como funciona esse esquema no momento em que o professor ou educador deseja trabalhar a mediação de leitura?

Não acho que o importante, ao trabalhar com a literatura, seja o trabalho com conteúdo. Literatura é a arte da palavra e como diz um autor que gosto muito “A arte – seja a literatura, a dança, a música, a pintura, […] é a expressão de um desejo de construir e viver mundos e vidas outras; nesse processo, ela realiza o gesto de voltar-se para dentro de si e indagar a condição humana”. (BRITTO, Luiz Percival. In: Inquietudes e Desacordos; Mercado Aberto, 2012, p.51 e 53). Se entendemos a literatura enquanto arte, enquanto forma de indagar a vida e de pensar o mundo, teremos um tipo de abordagem ao fazermos a mediação da leitura, abrindo espaços para o diálogo entre os textos e os leitores, para que eles construam sentidos a partir daquilo que leem. Mas se, ao contrário, se a entendemos como um tipo de texto e de expressão que determina a transmissão de um conteúdo ou de um valor, provavelmente a mediação da leitura se configurará como algo reduzido e que não estará aberta ao diálogo com o leitor e aos sentidos que ele possa vir a construir sobre o que leu, pois este já estaria determinado pelo texto e pela intenção da mediação. Quanto a faixa etária, é preciso pensar sobre isso: literatura tem faixa etária? Penso que há temas, na forma como são escritos, na maneira como a linguagem é trabalhada, que dialogarão melhor com esta ou com aquela faixa etária, devido a interesses e experiências mais ou menos presentes nelas, mas é difícil trabalhar com a leitura pensando somente na faixa etária. Essa ideia reduz a possibilidade de olhar para a criança ou para o jovem leitor como alguém que está no mundo e que pensa sobre ele. Como alguém que é capaz de se relacionar com diferentes temas, apesar da faixa etária em que se encontra.

A biblioteca como um espaço “muito além das estantes arrumadas” é um tema que você fala para ampliar o espaço de literatura para além do espaço físico, o que é importante considerar nesse contexto?

Uma biblioteca é constituída por seu espaço físico e por seu acervo, mas, para que ela exista de verdade, e possa vir a promover a leitura é preciso que se criem ações intencionais que busquem promover a leitura. Ações que dinamizem o acervo, desde a sua organização e as formas de comunicá-la, que chamem os leitores para descobrirem leituras, que abram espaços para o intercâmbio de ideias, acolhendo as vozes dos leitores. Além disso, é importante pensar em como uma biblioteca, escolar ou não escolar, se relaciona com o mundo que está fora dela, com a comunidade na qual ela está inserida fisicamente. Como a biblioteca pode estabelecer vínculos com seus leitores? Como ela pode se tornar necessária para a comunidade que a acolhe? Outro autor de quem gosto muito, Edmir Perrotti, afirma que na biblioteca escolar há um eixo educativo, mas também um eixo cultural e ambos são importantes. Penso como Perrotti, quando ele afirma que a biblioteca pode trazer autores para conversar com os leitores, formar círculos de leitores, debater temas de interesse, articular programas com outras bibliotecas e livrarias, divulgar a programação cultural da cidade. Para esse autor, a biblioteca, ao funcionar dessa forma, se constituiria como uma ponte entre o ambiente escolar e o mundo externo.

A mediação de leitura acontece de diversas maneiras, em, casa, nas escolas, em espaços culturais etc. No Rio de Janeiro cada vez mais tem acontecido eventos sobre contação de histórias, saraus e ocupações em espaços públicos que usam a literatura como mediação cultural, na sua opinião isso significa uma democratização do acesso a literatura?

Sim. Acredito que os eventos literários, com feiras de livros, encontros com autores, exposições sobre ilustradores, presença de contadores de histórias em espaços públicos contribui muito com a democratização da leitura e da literatura, sensibilizando os leitores para o encontro com a leitura, mas não acredito que estas ações sejam suficientes para garantir a formação de leitores. São ações que são parte dessa formação, mas outras ações mediadoras devem também acontecer, especialmente na escola. Para se tornar um leitor, não basta que se aprenda o sistema de escrita, mas que se incorpore um conjunto de atitudes que tornem significativo o ato de ler e a escola pode contribuir com diferentes ações para isso, ajudando os leitores a compreenderem o conteúdo de um texto em seu sentido, ampliando esse sentido, comparando-o com outros elementos, realizando associações, entre outras coisas.

Ano passo você lançou o livro História do Pingo, pela editora Escrita Fina, em que contexto você usa o livro com as crianças?

O livro A História do Pingo trata da vida e da morte, da despedida, dos sentimentos e de muitas outras coisas. Fala da relação de uma família com seu cachorro, suas aventuras, desventuras e morte. Leio este livro para as crianças como leio qualquer outro livro. Leio para conversar, para trocar ideias, para divertir, para fazer pensar, para emocionar, para experimentar a alteridade, para trocar experiências, para indagar sobre a vida e a morte.

cabra

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