A sucata que deu música

A capacidade criativa é nosso recurso inesgotável! Conheça artistas que olharam para a sucata e descobriram a música.

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Desde março de 2019, pela primeira vez o Tear está realizando as atividades do programa Ciranda Brasileira sem nenhum financiamento externo. Por isso, lançamos uma campanha de Financiamento Coletivo.

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Por Editorial Tearteiro

Artistas do mundo inteiro buscam novas formas sonoras, numa produção de composições e instrumentos interminável e diversa, originada a partir da investigação do corpo e do ambiente que nos cercam.

A humanidade marca sua presença no planeta pela cultura, por elementos e expressões que nos denunciam como serem criativos capazes de resinificar a natureza dada. Nesse entremeio, estão os instrumentos musicais, marcas expressivas da ambientação cultural de povos e culturas ao redor do mundo.

Sustentabilidade e criatividade, o equilibrio q ue desafia a humanidade

Pesquisadores do Jornal of Human Evolution da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e da Universidade de Tübingen, contam que há aproximadamente 42 mil anos os primeiros hominídeos já fabricavam instrumentos feitos de ossos. Um dos primeiros instrumentos que temos notícia é uma antiga flauta encontrada na caverna Geissenklösterle, no vale de montanhas de Jura, ao sudeste da Alemanha, rastro mais antigo de nossa capacidade de fabricar e resignificar materiais.

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Nessas aventuras culturais, inventamos as cidades, e os excessos da vida urbana. A produção em larga escala e a afirmação do consumismo nesse cenário nos presenteou com o problema do lixo. Entretanto, também inventamos formas de resinificar o que criamos, formas de reutilizar os resíduos que produzimos, e revisar nossos hábitos culturais. E é por esse caminho que desponta mais uma vez nosso recurso humano inesgotável, a imaginação.

O cuidado com o meio ambiente e o tema da reciclagem nas últimas décadas se tornaram urgentes. Nesse contexto, a sustentabilidade e criatividade mobilizaram muitos artistas a criar com a sucata,  foi o que fizeram os ingredientes para um projeto musical feito entre amigos, o Recycling Band, na Polônia.  Com baterias feita de latas velhas, baixo e guitarras feitas com madeira reutilizada e galões de água, os quatro integrantes do projeto acharam uma alternativa para a falta de dinheiro, que limitava o investimento em  instrumentos. Eles queriam ter sua própria guitarra, baixo, e não podiam pagar por eles. Desde o início do grupo surgiu a ideia de fazer instrumentos originais com o que tinham em mão. A produção deles hoje em dia é bem experimental, eles têm uma pesquisa vasta sobre materiais e sonoridades que vale a pena conferir.  São eles provas vivas de que a separação dos resíduos faz sentido para uma nova economia, e que o lixo pode sim encontrar a sua segunda vida.

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Som da Terra

A reciclagem é uma alternativa para pequenos e também para grandes projetos. Uma ONG paraguaia que trabalha com ensino de música  encontrou na reciclagem caminhos para a criação de uma orquestra. A iniciativa é composta por jovens de Cateura, uma povoação situada numa das maiores depósitos de lixo  do Paraguai. Os  jovens do projeto Sonidos de la Tierra tocavam com guitarras emprestadas, mas começaram a surgir tantas crianças nas oficinas do grupo que não havia instrumentos para todos. Foi então que encontraram no lixo a possibilidade de criarem instrumentos reciclados.

 “O mundo envia-nos lixo e nós devolvemos música” diz Flávio Chavez, diretor da orquestra.

Esses jovens  já tocaram em mais de 80 concertos, inclusive no Brasil. E a história deles  virou filme,  ‘Landfill Harmonic’, documentário que  faz parte do projeto Sonidos de la Tierra (Sons da Terra).

Dê uma olhada no vídeo que mostra um pouco desse projeto acontecendo:

Excêntricos musicais: a palhaçaria das frequências

Mas não é só no Paraguai ou na Polônia que a criatividade lança um olhar para os objetos do cotidiano para extrair sons e sentidos. Nas terras do Pindorama, cuja paisagem acústica já foi tão criativamente adereçada pela música criativa de Hermeto Pascoal, por citar só um de uma plêiade infindável de gênios insurretos e criativos.  O Circo Dux, por exemplo, grupo  de palhaços que nesse ano comemora 10 anos, não fabrica necessariamente instrumentos reciclado, mas utiliza em seu espetáculo Blefes Excêntricos, panelas tanto para cozinhar, como para tocar.

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A peça se apoia em três pilares: na comicidade sem texto do jogo cênico de Fabrício e Lucas (que fazem a dobradinha clássica de palhaços conhecida como Augusto e Branco);   na pesquisa do universo da magia (os atores fizeram treinamento com o mágico Rossini); e também na técnica de excêntricos musicais (números de circo em que os palhaços fazem música sem instrumentos clássicos), são panelas, guizos e canecas, realizada junto do maestro e compositor Tato Taborda.

Lata Doida!

O Lata Doida, ponto de cultura que nasceu na COHAB do bairro de Realengo, alia a preocupação social com a vontade de produzir música e a palhaçaria. Aliás, lá seria um ótimo ponto de encontro para todos esses grupos de artistas amantes da sucata que falamos até agora.

part. show Délcio Teobaldo

Num primeiro momento, os membros do Lata Doida tiveram a ideia de montar oficinas em que se utilizava lixo para a confecção de instrumentos, com predominância de latas, por isso o nome do projeto. Com o passar do tempo, a utilização dessas sucatas, que seria apenas uma alternativa provisória, possibilitou  a construção de uma linguagem própria.

Conversamos com o Vandré que é um dos idealizadores dessa proposta, veja o que ele nos contou:

1- Vandré vi que existe uma preocupação com a questão social, vocês dizem que o grupo entende que existe uma dificuldade para a produção artística provocada pela exclusão social. Como o Lata Doida Atua em relação a essa questão?

O Lata Doida é uma organização socio-cultural e ambiental que desenvolve projetos, não somente de música, movidos pelo incômodo com as questões da cidade, prioritariamente a Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde estamos localizados (bairro de Realengo).  Toda nossa atuação é pautada em um olhar crítico dessa “engrenagem” que gera a exclusão social, a poluição, e todo esse caos. 

2-Quais os materiais mais inusitados que vocês descobriram ao longo da investigação sobre os materiais reciclados?

Tem um monte: Tábua de cozinha que virou corpo de guitarra, panela que virou  uma espécie de violãozinho que chamamos de Treco, garrote de enfermeiro que virou corda para um “baixo acústico”, Calota de Carro que também é corpo de instrumento de corda, molas de carro, enfim, são infinitas as possibilidades…

3- O que a produção desses instrumentos pode contribuir para pensarmos sobre o lixo e sobre a sucata?

O lixo não existe! Levamos séculos para desenvolver tecnologias capazes de poduzir um celular, um computador, uma lixeira de aço inox, um galão de plástico… para hoje banalizarmos isso, tanto quando compramos, como quando utilizamos e mais ainda quando não queremos mais. Fazer instrumentos a partir do lixo nunca vai dar conta de reaproveitar todo ele, mas viver a música e a vida de modo realmente sustentável muda tudo.  Enfim, nada e nem ninguém é menos, mesmo que não “sirvam”. Tudo é sagrado, tudo é sonoro! Todos somos iguais, e muitos mais do que peças de uma engrenagem que nos “coisifica” e tira o direito de ser o que queremos. 

Show Praça Cohab - Realengo

4– Como foi o trabalho com os catadores ?

Temos um projeto com catadores de material reciclável chamado “Catando Ideias”.  É um trabalho ainda pequeno, mas de grande importância pra nós, pros catadores e para a comunidade em que estamos inseridos. Realizamos nesse projeto um conjunto de ações voltadas para a inclusão e reconhecimento do catador de materiais recicláveis como profissional fundamental para a coleta seletiva na nosso região e, na verdade, em todo Brasil. As atividades envolvem coleta seletiva, oficinas e apresentações de arte voltada para a educação ambiental, seminários, coleta de óleo vegetal e produção de sabão com o mesmo, artesanato com sobra de tecidos e por aí vai…

A criatividade é nossa maior potência, usada na contramão do consumismo, ela se torna a grande ferramenta para uma nova realidade possível. Reciclar,  além de ser uma alternativa econômica para catadores, cooperativas, arquitetos, e como vimos,  fabricantes de instrumentos,  é acima de tudo um ato político. É preciso pensar sobre o lixo que produzimos e nas formas de minimizar o impacto dessa produção desenfreada no planeta. Pra inspirar novas idéias , segue a filmagem com o show de lançamento do àlbum “Experimentaç Funk  Lata Doida”.

Fontes:

Hypercience
DN Artes

Conteúdo mapeado 

O Site de música e arte Metoteca  existem algumas dicas de instrumentos que podem ser feitos com materiais usados no nosso cotidiano. Confira

Estúdio Nosso – Lata Doida no Favela Criativa 2015
Rap do Silva – Experimental Funk Lata Doida
Papo de Marimba- Lata Doida

link desta página: http://institutotear.org.br/4803