Vanessa Andrade fala de sua experiência no projeto que tem como propósito legitimar o corpo como território de afirmação da negritude.

“A ideia do Afrobetizar surgiu nos diversos encontros com as crianças nos becos, nas festas, nas subidas e nas descidas do morro do Cantagalo onde nasci e vivo até hoje. Fui encorajada pelos sorrisos debochados e olhares de espanto da molecada que quando me via prontamente indagava: “Tia, por que seu cabelo é assim?” e outras já iam respondendo: “ Parece uma bruxa!”.  No início, eu parava e explicava que somos negras e nosso cabelo é lindo.  Só que para minha frustração, essa conversa não estava adiantando muito (…) além de bruxa corria o risco de ser vista como chata e doida, já que para eles nem preta eu era.

Com o tempo fui aprendendo a entrar na  “onda”,  e dizia: “cabelo e bruxa nada, ele é cheiroso e maciiiinho” e já fazia o convite:  “Sente só a textura, o cheirinho… “

Eles então se reuniam e descobriam no toque, no cheiro, no meu sorriso diante delas o quanto eu me sentia e me dizia linda e que meu cabelo para mim é uma coroa. Era o começo de uma relação de espelhamento… meu corpo, território de afirmação da negritude em mim, deixava de ser “meu” e virava “nosso”.

Mas, o problema era muito mais complexo…vira e mexe, quando eu dizia para elas que eu sou negra, eles negavam minha negritude e diziam que também não são.Era comum ofenderem uns aos outros de macaco, nariz de chapoca etc.O afrobetizar foi virando uma proposta cuja intenção era proporcionar experiências onde se perceber negro passasse a ser associado à alegria, a algo muito bom! Era preciso alfabetizar a criançada na negritude para que elas pudessem falar sobre suas vidas enquanto crianças negras com menos agressividade e mais carinho.”

afrobetizarVanessa Andrade, moradora do Morro do Cantagalo e coordenadora do Projeto Afrobetizar.

Daí estabelecemos atividades que trouxessem às crianças o reconhecimento e fortalecimento social e político a partir do lugar que estão para o mundo numa constante crescente. A começar pelos professores que servem como exemplo de pessoas que fazem a diferença na sociedade e que estão numa realidade que aumenta a perspectiva de vida das crianças.

Nossas atividades acontecem na sede do MUF – Museu de Favela que funciona em um espaço cedido pela Paróquia Local.

Entendemos que a educação, ou melhor, a Afrobetização, é baseada no respeito e as diferenças são nossos agentes de integração onde ser diferente é ser.Somos diferentes e ser igual é uma impossibilidade mundial salvo a igualdade dos direitos a vida e de oportunidades humana de ser sem exclusão. Tendo em vista que a população negra nunca usufruiu desses direitos e isso gera chagas que abala as estruturas sociais do Brasil, Afrobetizar se faz preciso para mudança desse quadro/ lacuna social.

Mais do que falar de negritude, essa forma de educar não é linear, não está nos padrões das escolas brasileiras e aplica em suas atividades o reconhecimento das intelgências múltiplas unido a produção partilhada do conhecimento. Todas as formas de inteligências são válidas (físicas, exatas, poéticas, humanas, artísticas, linguística e etc.) e somam para a formaçã das aulas onde nenhuma aula é um planejamento só do professor o aluno é construtor e participante ativo estabelecendo uma comunicação horizontal de valorização.

Aulas de danças populares, capoeira angola e brinquedoteca, são interligadas a alguns traços que caracterizam o Afrobetizar como um tronco que ramatiza outras qualidades de ações, como: roda de bate papo,rima, leitura dramatizada, desenho e pintura, entre outras, tendo como protagonista de cada aula o próprio aluno dentro da sua realidade atual projetado para sua realidade de ascensão futura.

Em quase dois anos de projeto o maior resultado não tem sido uma alta performance física nas atividades, mas principalmente a elevação da autoestima de cada criança, expansão do olhar para o mundo e a possibilidade de escolha do futuro.

Afrobetizar é uma real possibilidade de educação.

Vanessa Andrade
Psicóloga, Doutoranda e Coodenadora do Projeto Afrobetizar

Aruanã Garcia
Biólogo, Mestre de biologia pela UFRJ, Professor de Capoeira Angola no Projeto Afrobetizar.

Gessica Justino
Bacharelanda em Dança pela UFRJ, Produtora do Coletivo Baobá e Professora de Danças Populares no Projeto Aforbetizar.

Fonte: Coletivo Baobá 

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