Redes de contadores de histórias e cantadores de poesias se articulam ampliando os círculos no Rio de Janeiro

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Por Eliza Morenno (*)

Antes mesmo da palavra escrita foi a palavra dita que conduziu a história da humanidade. Os mitos ocuparam desde sempre o papel de elemento fundador das sociedades, fossem elas primitivas ou não. Assim sendo a famigerada tradição oral tornou-se objeto de estudo e ferramenta pedagógica na atualidade.

As fogueiras dos tempos antigos talvez tenham sido substituídas por salões, quintais e praças, mas a chama da palavra viva, aquela que nos transporta para dentro das histórias, esta jamais se apagou.

mapa de saraus
A Mufa Produções por intermédio do Sarau do Escritório criou um mapa de saraus para os amantes da contação de histórias intensificarem ainda mais a rede.

No Instituto de Arte Tear – que é meu lugar (1) de cuidar das palavras – tecemos há quatro anos o Serão da Grande Lua, um encontro de encantadores de histórias que a cada mudança de estação fertiliza nosso espírito e nosso quintal com as mais diversas narrativas. Contos, poemas e canções ganham um tempo ritualizado de escuta e reflexão.

Em tempos de intensa correria toda pausa se torna um convite valioso. Inno Sorsy, Toumani Kouyaté, Augusto Pessoa, Cadu Cineli, Tatiana Henrique são alguns dos muitos contadores que já fizeram o tempo parar no nosso quintal.

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Também no Tear tramamos o Pé de Livro, uma intervenção literária semeadora da palavra através da mediação de leitura com literatura infantil e infanto-juvenil. Nosso Pé de Livro tem dons de passarinho e foi pensado/sentido para pousar em praças e parques da cidade, contando histórias que também falam de suas ruas e bairros. Nesta intervenção experimento uma das sensações mais acolhedores do mundo quando leio para uma criança em meu colo.

Nessa rede de contadores de histórias destaco também o trabalho realizado pelo coletivo Vento Sutil, do qual faço parte com mais treze arte-educadores, no recém-criado Festival Carioca de Contação de Histórias. Um movimento que nasceu em 2015 na praça da Cruz Vermelha e continua dando frutos pelo Campo de Santana, onde irá acontecer a quinta edição, durante as Olímpiadas. É sobretudo um festival de encontros.

festival de contação

O desejo de criar um festival que pudesse se realizar em praças públicas veio da necessidade de ocupar a cidade, deixar nela nossos traços, nossas palavras. Afinal, que histórias nós temos contado quando o assunto é ocupação artística dos espaços públicos?

Na produção coletiva do festival, pensamos maneiras de incluir moradores em situação de rua,  de amenizar os impactos ao meio ambiente durante os eventos, oferecemos café da manhã para todos os presentes. E isso tudo sem nenhum patrocínio em suas primeiras edições, mas com muito apoio de artistas e instituições que também escreveram esta história.

As palavras têm casa, corpo, alma. Nossas palavras nos mantêm vivos.  Temos o privilégio de ver um Rio de histórias a desaguar todos os dias em nossa cidade. Diversos grupos e contadores nos brindam há décadas com trabalhos continuados que muito têm feito pela tradição oral e pelo ofício do contador. Quem assim seja o nosso para sempre.

Entrou por uma porta,
saiu pela outra.
Quem quiser,
que conte outra!

chitão

(*) Eliza Morenno é poeta e atriz co-fundadora da Poesia Viral, organização que desenvolve projetos de intervenção poética e incentivo à leitura. Faz parte da equipe de arte-educadores do Instituto de Arte Tear e atua em ações como Tribo Arte, Pé de Livro, Serão da Grande Lua e Tecelares da Leitura.