Como captar e reutilizar a água da Chuva? Porque é importante pensar nisso?
Por Sallisa Vasco
A América Latina é a região mais urbanizada do mundo e o índice de urbanização brasileira foi o maior de toda a América Latina, são 86,53% da população brasileira vivendo nas cidades. Diante dessa realidade há de se pensar estratégias aos problemas socioambientais para além de um planejamento urbano sustentável é necessário traçar ações locais para melhorar a qualidade de vida. Algumas ações tem acontecido e inspirado, são as hortas urbanas, sistemas alternativos de energia e mudança de hábitos. Mas diante de uma diversidade de questões o elemento água tem preocupado.
Reaproveitar a água da chuva é uma maneira de educar, e isso fica bem claro na conversa com o Teo, ele veio ao Tear para instalar o sistema de captação da água da chuva. Ele contou que sentiu a necessidade de desenvolver trabalhos relacionados com a captação da água da chuva no Rio de Janeiro e um grupo de amigos permacultores criaram o Coletivo Águas de Março.
As águas que se tornaram Rio de Janeiro foram aterradas para que grande parte da cidade se tornasse o que temos hoje, ao mesmo tempo a relação das pessoas do Rio de Janeiro com a água é muito marcante.
Então perguntei ao Teo, posteriormente por email o que a identidade carioca tem de água?
A permanência e a reprodução das populações ao redor da Terra sempre se deram a partir da disponibilidade das águas. No Rio das etnias Tupi e Puri não foi diferente e suas águas desciam nas generosas florestas da Tijuca, Pedra Branca e Mendanha que, na verdade, eram uma floresta só. Mesmo com a chegada dos portugueses as águas das florestas foram indispensáveis até a chegada do ciclo do café quando vivemos a primeira grande crise de abastecimento de água da cidade ainda no século XIX o que produziu o primeiro reflorestamento da história da América Latina que se tem notícias. O contato do carioca com natureza então se deu como por necessidade de sobrevivência. Seus hábitos e comportamentos, portanto, derivam da maneira como os povos originários viviam na cidade, como por exemplo no pouco uso de roupas, relacionado com o clima tropical, mas também como herança indígena.
Outro braço fundante da nossa cultura veio de além mar, com todo o tipo de violência e contra a vontade daqueles povos de Congo e Angola, este com vasta extensão territorial de litoral. As tradições, musicalidade, cultura e religião trazidas se confundiram com as práticas tupiniquins e deram origem ao choro, ao samba e a capoeira. As religiões de matrizes africanas, são grandes demonstrações do lugar que a natureza e sua força tinham e têm a partir do simbolismo dos orixás.
No século XX, a percepção da vida natural Carioca já era sentida nas músicas e principalmente nas composições de Tom Jobim com seu clássico, Águas de Março, referindo-se as características chuvas no final do verão.
É verdade que estamos a beira de um colapso hídrico principalmente nas grandes cidades? Como estão os rios que abastecem a cidade do Rio de Janeiro? E quais são as alternativas para economizar água potável?
Sem dúvida, e a evidência é sentida principalmente pela classe trabalhadora e de menor poder aquisitivo do Rio de Janeiro. O Rio criou ao longo das últimas décadas uma relação de dependência do sistema Guandú que faz com que seja mais rentável e fácil a administração. Quando temos este nível de centralização do abastecimento de água dentro de uma lógica de produção capitalista, tem mais acesso a água os grupos com maior poder econômico. Então, primeiro precisamos discutir que uso tem se dado as águas no Estado do Rio de Janeiro e a partir disso pensarmos em um plano economia. Isso, certamente, implica em entrar em confronto com a lógica de atendimento dos interesses privados do Estado Brasileiro.
Sobre as alternativas de economia, hoje já existe tecnologia para o uso de água de reuso nas empresas e também tecnologia para uma irrigação mais econômica na agricultura. Porém, a agricultura convencional, do agronegócio e com uso de agrotóxicos tem um uso grande de água, que muitas da vezes é exportada através de seus produtos, como a soja e o milho.
Você faz parte de um coletivo que se chama Águas de Março, como surgiu e quem são os colaboradores? O coletivo trabalha por meio de oficinas em que as próprias pessoas aprendem a construir todo o processo do sistema de aproveitamento da água, como é essa participação?
A Rede Carioca de Captação de Água da Chuva Águas de Março surgiu a partir da união de amigos já inseridos na área das tecnologias sustentáveis dispostos a trocar experiências e trabalhos para a disseminação do conhecimento, principalmente na cidade do Rio. Temos estes dois focos: construir espaços pedagógicos que compartilham o passo-a-passo para a confecção dos sistemas e também fazemos projetos para aquelxs que preferem ter o serviço pronto e/ou não tem tempo para aprender a fazer o próprios sistema.
É importante dar crédito ao criador do sistema das Mini cisternas, o Edison Urbano, do Sempre Sustentável, parceiro da Águas de Março e inspirador do nosso trabalho.
Aqui no Tear vocês instalaram uma tecnologia de aproveitamento de água da chuva, essa mesma tecnologia pode ser usada em casa, prédios e escolas por exemplo?
Pode ser usada em qualquer ambiente que tenha uma superfície para o escoamento da água e espaço para uma cisterna ou caixa d’água onde esta água ficará armazenada. Quanto maior a superfície, telhado ou lage, maior a capacidade de armazenamento. Dimensionamos o sistema e os filtros a partir desta capacidade. Nos prédios, o nível de dificuldade aumenta devido a pouca oferta de espaços disponíveis e a necessidade de bombas hidráulicas para o uso da água.
A Mata Atlântica do Rio de Janeiro em tempos de verão colabora para o aproveitamento da água da chuva, mas essa tecnologia pode ser usada em todo Brasil? Qual é o impacto que o reaproveitamento da água da chuva pode gerar na cidade? Em que essa água pode ser usada?
São raras as regiões no país que não tenha chuva em nenhum momento do ano, mas infelizmente temos visto que esta realidade é cada vez menos exceção. A tecnologia da captação da agua já tem sido largamente utilizada pelo governo e pela Articulação do Semi-àrido brasileiro.
Água da chuva, no caso da cidades, pela legislação brasileira só não pode ser usada para consumo humano e para tomar banho. Todos os outros usos são permitidos, como a irrigação, lavagens, privada, entre outros.
Na sua opinião como a educação ambiental pode ser trabalhada com as crianças e adolescentes, a escola tem um papel importante nisso, mas e os pais e diversas formas educação não-formal?
Os tempos atuais geram diversas oportunidades de cenários pedagógicos. Está acabando a água potável? E agora? O estudo para a proteção das águas e das florestas produtoras de águas são inesgotáveis e são conhecimentos úteis para a nossa sobrevivência.
As ocupações das escolas Paulistanas evidenciaram a crise nos modelos pedagógicos que separam as necessidades de aprendizagem a vida real dos alunos, então a educação ambiental seja um dos elementos desta nova educação que está por vir. Uma educação que extrapola os muros da escola e cria ambientes de aprendizagem a partir do próprio caminhar e na interação com as coisas e com as pessoas.
Ensinos formais e não formais, talvez o último com uma liberdade maior, tem caminhado nessa busca, por novos arranjos horizontais e plurais que garantam a formações coletiva das atrizes e atores envolvidos. E as águas, podem ser um bom ponto de partida.
Mais informações:
Facebook sobre o Águas de Março.
Na página do Edison Urbano se ensina a captação da água da chuva com recursos acessíveis e mecanismos simplificados, que podem ser utilizados na sua residência.
O Téo também escreve um blog sobre a sua experiência paterna.
Link dessa página: https://institutotear.org.br/5637