Luz, Câmera, Arte/Educação

um movimento independente de arte-educação atuante no Rio de Janeiro, no Jacarezinho  , uma das maiores favelas da cidade. Lá as crianças fazem filmes.

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Entrevista concedida ao Astrolábio

O Coletivo Cafuné na Laje é um movimento independente de arte-educação atuante no Rio de Janeiro, no Jacarezinho  , uma das maiores favelas da cidade. Lá as crianças fazem filmes.

Conhecido como “Léo da foto”, Léo Lima é um dos facilitadores do Cafuné na Laje, é fotógrafo, educador, nasceu e mora no Jacarezinho e agora vai compartilhar um pouco da sua experiência aqui no Astrolábio.

1) Quando foi o primeiro cafuné? Foi na laje mesmo? Como ele acontece? E quem são os facilitadores?

O primeiro Cafuné foi sim na laje. Estávamos na laje, Aline minha falecida companheira e eu percebendo o quanto o cafuné de dois gatos era sincero, de entrega e afetivo. Numa brincadeira falamos “Cafuné na Laje” é bom. Sorrimos juntos na ocasião, lembro como se fosse hoje. Ouvíamos – em alto volume – a musica “A Cada Vento” do Emicida e nessa influência de sensações pegamos nossa câmera T3i e começamos a filmar essa relação e outras que foram surgindo. Editamos e criamos uma espécie de clipe da música que ouvíamos. Percebemos o quão potente poderia ser essa ação, propondo roteiros a partir das coisas que acontecem no cotidiano das lajes, dos becos, do Jacarezinho.

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O primeiro Cafuné  foi um desejo aliado ao brincar e é exatamente dessa forma que acontece até hoje. Os facilitadores são todos universitários e trabalhadores culturais, no momento três são moradores do Jacarezinho, dois da Penha, Laranjeiras, Maré, que são: Vitor Luiz, Jv Santos, Eduardo Santos, Mariluci Nascimento, Julia Rossi.

2) Os filmes trazem muito do cotidiano das crianças e as histórias são dialógicas feitas com os atores locais, como se dá essa produção?

Olha, a produção se dá de uma maneira orgânica, na maioria das vezes não planejamos nada. Estamos em casa e no perceber das crianças que somos um grupo que atua com cinema, meio que automaticamente elas vem pra minha casa e propõem fazer um filme. Nossa veia mediadora nos faz ser instigados e instigá-los a criação. Que já se deu por uma história que aconteceu, por um conto de Ruth Rocha, por história com zumbis que tinham vontade de mostrar… Nenhuma das vezes essa ação foi pensada com antecedência . Todos os filmes feitos foram ocasiões surgidas no momento.
O Cafuné na Laje é uma produção revolucionária pois contrapõe a hierarquia existente no cinema, coloca todos como atores e mediadores na produção. Somos brincantes, e a criação dos roteiros acontecem em brincadeira. Seja amarelinha, caça palavras, jogo dos erros, forca, jogo de tabuleiro. O que fazemos são estímulos brincantes pra criação dos filmes. Porque os filmes mesmo são as crianças que fazem, nós damos dicas que por vezes são aceitas, outras vezes não. E assim, democraticamente vivemos fazendo filmes, nos encontrando e construindo amigos pra vida.
A edição ainda é um desafio, de desassociar uma construção que é individual e que exige uma concentração de muitas horas, então fazemos a edição sempre feita por um de nós com a mediação de uma ou duas crianças que participaram do filme.


3) A educação formal com o seu currículo nacional muitas vezes não abarca as especificidades das regiões, suas culturas locais, suas formas de fazer e comunicar, como o Cafuné na Laje se insere nesse contexto na arte-educação?

Entendemos que o cotidiano é necessário estar nos currículos desde que não sejam cartilhas prontas do que se deve se feito. É preciso emergir ao acaso, promover uma forma de produção de conhecimento em que as crianças e adolescentes desenvolvam suas habilidades criativas e que, essa ação mediadora aconteça sempre em sentido de troca.
O cinema e a fotografia pinhole na qual estamos mais próximos atualmente tem papel importantíssimo nessa construção construtivista de um currículo que seja pautado pelo cotidiano. A educação formal poderia propor que o que esta sendo discutido desaguasse em cinema, desaguasse em pintura, poesia e todo tipo de manifestação artística. Se for brincante, melhor pra criança. Mas aí é preciso uma reformulação nos currículos de quem esta sendo formado pra depois gerir uma escola, dar aula numa sala de aula.
Acreditamos que a arte-educação seja um caminho, mas pra isso, é necessário uma deseducação do que a maioria entende enquanto ensino formal e principalmente os conceitos de Escola.

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4) Quais são as inspirações dos facilitadores do Cafuné na Laje?

Estamos em processo, vemos a necessidade de estudar mais, buscar as referências para que possamos confrontar nossas ideias junto aos autores, conciliá-las e etc. Enquanto grupo em 2016 iniciaremos os grupos de estudo pra pensar com mais carinho essas referências. Mas sem dúvida a experiência vivida na Nigéria com a Nollywood nos despertou a pensar o cinema a partir do cotidiano, feito “no” e com quem constrói esse cotidiano.
As histórias dos times de pelada, tia Dorinha, os nordestinos são as referências locais de  vitalidade, resistência e reinvenção. O olhar doce e livre da criança nos abraçou e deixou nossos corpos quentes pra dar continuidade. Não poderia haver referência maior e mais viva do que a criança.
Estamos ainda buscando autores da arte educação para ajudar a fundamentar o que fazemos, as vezes, sem perceber o que esta sendo feito. Mas sabendo da importância disso pra todos nós e para as crianças que participam da construção desse cafuné. Não é algo que batemos o martelo, mas que passeia em nossas conversas nos bares, é tendência a Paulo Freire. Mas nada estudado ainda com o carinho que merece. Então em 2016 iniciaremos por necessidade e querer.


5) Você acredita que a abordagem do Cafuné na Laje poderia ser usada em outras partes do Brasil?

Acredito que até tenha. E caso não tenha, com certeza. Inclusive estamos dispostos a ajudar, com conversas, filmes, debate, laboratório e etc. Para 2016 vamos preparar um material didático apresentando algumas formas brincantes de se fazer roteiros, disponibilizados de forma gratuita através da internet. Já desenvolvemos as atividades no Fumacê, Nos Macacos, Honório Gurgel, Friburgo e todos em contextos diferentes do Jacarezinho, com geografia diferente, histórias diferentes. A metodologia nunca foi a mesma pra todos os lugares, pensamos que a metodologia se dá em comunhão com as pessoas, com as leis de cada lugar e os tesouros de todos em nossa volta.

 

Assista os filmes que as crianças fazem:

Link dessa página: http://institutotear.org.br/5472