As ilustrações de Lolla reivindicam um mundo mais inclusivo

Por Lolla Angelucci

Eu desenho muito, desde criança. Acho que se você perguntar para qualquer ilustrador, todo mundo vai te dizer a mesma coisa, “desenho desde sempre”. Paralelamente a isso, eu sofro de Alopecia Areata desde criança, que é um tipo de calvície. Com 18 anos fui de algumas falhas para a calvície completa.

Eu desenhava para mim e desenhava para o mundo. Fiquei muito tempo nessa de desenhar para os outros, o que os outros gostariam de ver, o que vendia. Eu tinha até uma personagem, que era um tipo de alter ego, mas era uma menininha de uns 5 anos. Ela tinha cabelo e era fofa, até que um dia uma amiga disse que poderiam acontecer coisas na vida da minha personagem e ela poderia ficar careca. Eu não entendi como fazer aquilo com a minha personagem, queria manter o meu alter ego protegido de tudo, inclusive da calvície.

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Nessa época eu estava num processo interno de (re)construção da minha auto-estima, fazendo um mergulho em mim mesma nos projetos da pós em artes visuais. Antes de existir selfie, eu fazia auto retratos. E todos os meus trabalhos eram auto retratos. Com o tempo, depois de me acostumar a me ver pelas lentes da minha câmera, comecei a me ver pelo meu desenho e fui desenhar bonequinhas carecas. Não foi fácil, chorei quando me disseram que eu não deveria desenhar bonequinhas carecas porque mulher careca é muito estranha. Mas, entre alguns percalços, fui me colocando no meu desenho. Era preciso me aceitar. E mais, eu queria que milhares de mulheres e meninas por aí se aceitassem também, entendessem que existem sereias carecas, princesas carecas.

Representatividade importa, todos os movimentos de minorias dizem isso. Representatividade importa. Daí comecei a desenhar também umas sereias negras quando ouvi uma criança dizendo que só as brancas eram bonitas. Comecei a colocar óculos em todas as minhas bonequinhas, porque óculos é fofo e todo mundo usa óculos hoje em dia. Representatividade importa, não esquecer disso nunca.

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Então, eu conheci o trabalho da Smile Train, uma organização que ajuda hospitais que tratam crianças com fenda labiopalatal. Olha, mais um tema para as minhas sereias. Fiz uns poucos desenhos que já conquistaram o coração de todas as mães com filhas e filhos com a fenda labiopalatal. Disso surgiu um projeto, ainda em fase de captação de recursos, para fazer uma história de sereias com fenda labiopalatal baseada em aceitação. Dá para ser mais fofo? É um projeto que engloba tudo o que eu acredito: representatividade, desenho, aceitação e uma boa história.

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Desenhei até uma sereia cega com um peixe guia, porque todo mundo pode ser sereia. E voltei para as sereias carecas, para o meu lugar de fala como mulher careca e como eu queria trabalhar isso no meu desenho na minha relação com o mundo. E surgiu um projeto em que eu vou desenhar umas sereias carecas em instituições que trabalham com crianças com câncer (repetindo sempre o mantra de que representatividade importa), e também começar no Hospital da Lagoa uma roda de conversa com mulheres que perderam o cabelo por qualquer motivo, para trabalharmos juntas na reconstrução da auto-estima perdida. Falando e desenhando como alguém que já trilhou esse caminho.

Hoje, quando eu não desenho uma sereia careca, desenho uma sereia fora do padrão de alguma forma. É a minha contribuição para um mundo mais inclusivo, para a reflexão sobre representatividade.

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Conheça a página da Lolla e as ilustrações belíssimas que ela faz