Nos fundos da casa que habita o Tear, é guardado um espaço de cultivo de si e da terra, onde o encantamento da brincadeira faz brotar universos.
Da Terra nascem mundos
17/09/2015
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
O Apanhador de desperdícios – Manoel de Barros
Aproveito e pego carona em Manoel
Nas minhas andanças pelos cantos
Meu quintal é maior que o mundo inteiro
E há de ter outros tantos.
Uma criança precisa de brincar
Pique isso e aquilo, pião, bola de gude
Conhecer sapo, pedra, lesma, passarinho
Até saber de tecnologia, mas sem que nada disso mude
A palavra resto, trapo, miúdo, desperdício
Vira brinquedo, história, universo, artifício
Revirar os resquícios, equilibrar, encaixar
Ah se todo quintal fosse igual ao do Tear.
Dos elementos da Terra, nascem vários mundos
Refazendo, tecendo, reinventando meus princípios
Eu, jabuti esperta e atenta
Percorro meu mundo, mais rápido que um míssil
Peço licença Manoel, mas também sou uma apanhadora de desperdícios.
O registro fotográfico feito pelo jardineiro Beldroega mostra uma dessas brincadeiras. Germinada na cabeça de uma criança, brotou, completou seu ciclo e foi fazer morada em algum canto do quintal.
Deu pra saber o que é?
É um berço, para um pequeno fruto de pimenta! Ornamentado com pequenas sementes, pétalas, folhas e outras miudezas do jardim. A pimenta ganhou um nome, Antônio Pimentinha.
A brincadeira do cuidar materno deu vida aos restos desimportantes, originou histórias, sentimentos, beleza e alimentou ainda mais a nossa imaginação.
Ninguém me contou, eu mesmo vi!
Carlota, a Jabuti.