Situando a perspectiva crítica na Educação Ambiental
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Por Carlos Frederico B. Loureiro
O que a perspectiva crítica trouxe de contribuição aos processos educativos ambientais? O que ela representa para educadores-educandos na atividade escolar? Como tem sido trabalhada nas escolas? Estas são algumas dentre muitas questões que podemos colocar para pensar uma tendência que cresceu consideravelmente nas duas últimas décadas.
Ao olharmos rapidamente para a história da Educação Ambiental, observamos que esta vem sendo adjetivada de várias formas. Isto se explica. O campo foi formado por diversas visões de mundo em diálogo e disputa e nossa identidade se definiu mais em cima da negação ao estilo de vida urbano-industrial e aos valores culturais individualistas e consumistas do que em cima de pontos comuns na proposição de alternativas. Com isso, para não cairmos em uma visão homogeneizadora ou simplificada, acabamos por sentir a necessidade de explicitar as diferentes abordagens configuradas no modo de se fazer tal refutação e construir outros caminhos. Bem ou mal, por vezes complicando mais do que facilitando, falar simplesmente: “Educação Ambiental” pode não ser suficiente para se entender o que se pretende com a prática educativa ambiental.
Concretamente, a Educação Ambiental Crítica se insere no mesmo “bloco” ou é vista como sinônimo de outras denominações que aparecem com freqüência em textos e discursos (transformadora, popular, emancipatória e dialógica), estando muito próxima também de certas abordagens da denominada ecopedagogia. A sua “marca” principal está em afirmar que, por ser uma prática social como tudo aquilo que se refere à criação humana na história, a Educação Ambiental necessita vincular os processos ecológicos aos sociais na leitura de mundo, na forma de intervir na realidade e de existir na natureza. Reconhece, portanto, que nos relacionamos na natureza por mediações que são sociais, ou seja, por meio de dimensões que criamos na própria dinâmica de nossa espécie e que nos formam ao longo da vida (cultura, educação, classe social, instituições, família, gênero, etnia, nacionalidade etc).
Somos sínteses singulares de relações, unidade complexa que envolve estrutura biológica, criação simbólica e ação transformadora da natureza.
Com a perspectiva crítica entendemos que não há leis atemporais, verdades absolutas, conceitos sem história, educação fora da sociedade, mas relações em movimento no tempo- espaço e características peculiares a cada formação social que devem ser permanentemente questionadas e superadas para que se construa uma nova sociedade vista como “sustentável”.
A compreensão e aceitação de tais premissas conduz os educadores ambientais para além de uma forte tendência, muito comum até os anos de 1980 e que ainda se faz presente em discursos de empresas e de grandes veículos de comunicação de massa: a de que à Educação Ambiental caberia exclusivamente o ensino de conteúdos e conhecimentos biológicos, destacadamente os de cunho ecológico, a transmissão de condutas “ecologicamente corretas” e a sensibilização individual para a beleza da natureza, levando- nos a mudar de comportamento. Esta, que aparentemente se mostra uma posição interessante, ignora os intrincados processos de aprendizagem e a necessidade social de se mudar atitudes, habilidades e valores e não apenas comportamentos. Acaba, assim, por não associar as condições históricas à nossa ação individual em sociedade e deixa de problematizar o fato de que nem sempre é possível fazer aquilo que queremos fazer, tendo ou não consciência das implicações disto. A Educação Ambiental Crítica, portanto, rompe com tal tendência, pois esta é, em última instância, reprodutivista das relações de poder existentes – algo muito agradável a setores que querem que “tudo mude para permanecer como está”, desde que os riscos de colapso ecossistêmico e degradação das condições de vida no planeta sejam minimizados ou “empurrados para frente”.
Distingue-se também de algumas abordagens recentes que procuram incorporar objetivos educacionais para além da transmissão de conteúdos e da sensibilização, admitindo os limites da tendência anteriormente citada, mas que acabam por cair em outro tipo de reducionismo: interpretar os processos sociais unicamente a partir de conteúdos específicos da ecologia, biologizando o que é histórico-social. A conseqüência é uma visão funcionalista de sociedade, estabelecendo analogias generalizantes entre sistemas complexos e auto-regulados distintos e ignorando a função social da atividade educativa numa sociedade economicamente desigual e repleta de preconceitos culturais.
Com isso, o elementar torna-se secundário. Em nossa prática, para a perspectiva crítica, é preciso admitir que um ato educativo carrega a relação entre o que se quer e o que se faz em uma escola e o que a sociedade impõe na forma de expectativas e exigências à instituição e às pessoas, pólos estes apinhados de tensionamentos. Para a Educação Ambiental Crítica, conseqüentemente, a prática escolar exige o conhecimento da posição ocupada por educandos na estrutura econômica, da dinâmica da instituição escolar e suas “regras” e da especificidade cultural do grupo social com o qual se trabalha.
Todavia, aqui cabe lembrar que se a Educação Ambiental Crítica não comporta separações entre cultura-natureza, fazendo a crítica ao padrão de sociedade vigente, ao modus operandis da educação formal, à ciência e à filosofia dominante, a mesma deve ser efetivamente autocrítica. Crítica sem autocrítica é problematizar o movimento da vida querendo ficar de fora, sem “colocar a mão na massa”, algo inaceitável para uma perspectiva na qual não pode haver oposição entre teoria e prática. Assim, não basta apontar os limites e contradições existentes e fazer denúncias. É preciso assumir com tranqüilidade que vivemos em sociedade e que, portanto, mesmo quando buscamos ir além da realidade na qual estamos imersos, acabamos muitas vezes repetindo aquilo que queremos superar. Os dilemas que vivenciamos não são um “mal em si”. O complicado é se colocar acima de tudo e de todos! Admitir erros, incertezas, inquietações e dificuldades é inerente ao processo de transformação da realidade e constituição dos sujeitos, sendo indispensável para refletirmos sobre o que fazemos, o que buscamos e quais são os caminhos que estamos trilhando.
Posto nestes termos, a Educação Ambiental Crítica é bastante complexa em seu entendimento de natureza, sociedade, ser humano e educação, exigindo amplo trânsito entre ciências (sociais ou naturais) e filosofia, dialogando e construindo “pontes” e saberes transdisciplinares. Implica igualmente no estabelecimento de movimento para agirmos- pensarmos sobre elementos micro (currículo, conteúdos, atividades extracurriculares, relação escola-comunidade, projeto político pedagógico etc.) e sobre aspectos macro (política educacional, política de formação de professores, relação educação-trabalho- mercado, diretrizes curriculares etc.), vinculando-os.
Mas o que é complexo e aparece como sendo muito complicado não está distante da prática cotidiana da comunidade escolar. Pelo contrário, uma vez que as dificuldades e possibilidades indicadas são concretas na sociedade contemporânea, cotidianamente vivenciadas pela comunidade escolar. Portanto, os desafios postos precisam ser assumidos e enfrentados pela Educação Ambiental e não ignorados para justificar respostas simples e a adoção de modelos de fácil aplicação (a famosa “receita de bolo”), que aliviam angústias, mas pouco ajudam ao processo educativo e à superação das condições de degradação da vida e de destruição planetária.
Por sinal, é fácil observar que educadores e educandos, ao participarem da consolidação de ações afinadas com uma abordagem crítica da Educação Ambiental se sentem à vontade e motivados com tal perspectiva.
Isto se explica, pois, ao trazermos a Educação Ambiental para a realidade concreta, para o dia-a-dia, evitamos que esta se torne um agregado a mais, idealmente concebido, nas sobrecarregadas rotinas de trabalho. Evitamos também que esta fique no plano do discurso vazio de “salvação pela educação” ou da normatização de comportamentos “ecologicamente corretos”.
Com isto, torna-se um componente inerente ao fazer pedagógico e uma perspectiva do mesmo, potencializando o movimento em busca de novas relações sociais na natureza. Diríamos mais, ao perceberem tal processo, muitos educadores que antes tinham resistência à “questão ambiental”, por a entenderem como uma discussão descolada das condições objetivas de vida, acabam incorporando a Educação Ambiental e “vestindo a camisa”.
Os efeitos deste movimento crítico na Educação Ambiental são bastante visíveis. Há uma ampliação na compreensão do mundo e o repensar das relações eu-eu, eu-outro, eu-nós no mundo. Temas anteriormente tratados como meio para a preservação ou respeito à natureza (elementos importantes mas insuficientes ao reforçarem a dicotomia cultura-natureza), são problematizados em várias dimensões (cultural, econômica, política, legal, histórica, geográfica, estética etc.). Projetos que ficavam como um “apêndice”, são concebidos e planejados em diálogo com a estrutura pedagógica de cada escola. Ações que ignoravam secretarias de educação e a autonomia escolar, reconhecem que é preciso dialogar com o “mundo da educação” e intervir nas políticas públicas para que práticas viáveis sejam democratizadas. E o principal: a perspectiva ambiental passa a fazer parte ativa dos projetos político-pedagógicos (PPP), permeando a instituição escola em seu pulsar.
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