As diferentes maneiras de educar

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Por Sallisa Vasco

No contexto indígena a educação acontece de diversas maneiras, mas temos basicamente duas diferenças marcantes que são a Educação Indígena e a Educação Escolar Indígena. A Educação Indígena acontece no cotidiano, em que os mais velhos são a própria biblioteca e o mito tem forte influência. A Educação Escolar Indígena é a educação institucionalizada, da sala de aula, é a educação prescrita dentro de um tempo e de uma estrutura comum.

A questão é tão complexa que em 1979, em um livro de redação coletiva, na aldeia do povo Rikbaktsa (Mato Grosso) intitulado “Educação indígena e alfabetização” (Melià 1979), encontram-se reproduzidas várias definições de educação indígena pelos próprios indígenas.

A partir da década de 80 pela reforma na Constituição Federal e lutas dos movimentos sociais aconteceram conflitos conceituais e novas maneiras de pensar os povos indígenas, mas somente nos anos 90 passa-se a considerar na educação escolar indígena o bilingüismo, a interculturalidade, a diferenciação, a especificidade da educação indígena, que engloba uma formação diferenciada, assim como material didático específico por povo.É complexo pensar uma educação indígena inserida nos moldes de uma educação escolar, por outro lado, a apropriação da instituição escolar pelos povos indígenas é motivo de luta.

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Nas escolas não indígenas das cidades a valorização desta temática acaba seguindo a opção didática e metodológica do professor e outro problema é a falta de bibliografia para a temática, principalmente uma bibliografia isenta de estigmatizações. No imaginário de muita gente os indígenas moram na floresta, vive da caça, da pesca e algum tipo de coleta. Mas será essa a realidade indígena brasileira? No Brasil os indígenas hoje são em torno de 305 etnias falantes de 274 línguas e de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (censo 2012) a população indígena é estimada em quase 900 mil pessoas.

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A tupinambá Renata Machado, jornalista indígena, conversou com Astrolábio sobre o projeto na web chamado Índio Educa, em que o indígena é educador . Ela conta que este portal começou em 2011 e surgiu com o objetivo de combater preconceitos e estereótipos cristalizados na sociedade, valorizando as verdadeiras histórias indígenas.

Renata, no processo de criar o Portal houve um laboratório com diversos indígenas, como isso aconteceu?

Participei do projeto junto de Amaré Krahô-Kanela (TO), Marina Terena (MS), Micheli Kaiowa (MS),Sabrynna Taurepang (RR) e Alex Macuxi (RR), todos nós universitários indígenas fomos selecionados pela ONG Thydêwá para participar do projeto como voluntários com o apoio da BrazilFoundation e Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil. Todos os envolvidos no projeto fizeram parte da na elaboração do portal, além de escrever textos educativos e ajudar na escolha do nome. Também tivemos colaboração de outros indígenas e não indígenas.

Para você como a educação indígena pode ser melhor aproveitada?

A educação indígena valoriza o conhecimento e as prática tradicionais, cada povo possui sua própria forma de ser e educar. O saber tradicional é a base de cada cultura, sem ele somos como uma árvore com raízes cortadas. Existem documentários interessantes para reflexão como Schooling the World, 2010 e Our Spirits Don`t Speak English, 2008. Para valorizar a educação indígena é preciso antes conhecer o que foi feito dela e o que foi imposto como educação aos povos.Hoje existem grandes desafios para a educação indígena e ela pode ser melhor aproveitada por meio de intercâmbios culturais e educacionais entre professores, alunos e indígenas. Ninguém melhor do que o próprio educador indígena para apresentar sua realidade.

De que maneira essa iniciativa colabora com a Lei 11.645, que torna obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas?

No portal o educador encontra muitos conteúdos sobre as culturas indígenas, histórias, meio ambiente, biodiversidade, curiosidades, vídeos, fotos, áudios, livros em PDF e trabalhos de acadêmicos indígenas. Essa riqueza de informações auxilia muitos professores nas salas de aula e fortalece a importância da lei.

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5 – Na sua opinião, qual é o papel do educador no compromisso de informar e desmitificar o indígena?

Todo educador tem uma grande missão, não apenas de ensinar mas principalmente aprender. É fundamental que não se reproduza preconceitos, buscando sempre descolonizar correntes de pensamento que ainda reproduzem etnocentrismo e são responsáveis também pelos crimes de ódio praticados contra indígenas no país. Sabemos que hoje o maior exemplo de violência ocorre no Mato Grosso do Sul, e são fruto também da visão equivocada sobre os povos indígenas. Muitos sentem medo, encanto ou repulsa daquilo que verdadeiramente desconhecem. Não diferente do que ocorre ou já ocorreu em outros lugares do mundo, casos como do apartheid na África do Sul ou nazismo na Alemanha. Os professores precisam compreender a importância do papel deles, responsabilidade e o poder deles ao ensinar.

6 – Afinal, qual a diferença entre índio e indígena?

O termo ‘índio” é genérico, é um personagem criado na época da colonização que não caracteriza que são os povos originários, fruto de um equívoco do colonizador. Nosso objetivo foi desconstruir a história contada por não indígenas e valorizar as histórias e conhecimentos orais de cada povo. “Indígena” no dicionário é o que realmente corresponde aos povos nativos e originários. Enquanto formos vistos como meros ”índios”, sabemos que os preconceitos vão continuar sendo reproduzidos na sociedade. É muita diversidade étnica e cultural, somos diferentes entre nós e foram intensos anos de um processo de desindianização e o que muita gente entende por ser indígena não corresponde a realidade, mas o que aprenderam nas obras literárias e romances indianistas, como “Iracema” de José de Alencar.

Referências:
Fale com o índio
Escolarizando o mundo – Schooling the World
Our Spirits Don`t Speak English
LOPES DA SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Orgs.). A temática indígena na escola: subsídios para professores de 1o e 2o graus. Brasília: MEC; Mari; Unesco, 1995.