entrevista com Laís Aderne na Confaeb-RJ

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Por Adriana Costa

“Sou filha de Sílvio e Celina.Minha mãe era de uma família do Sul, meu pai era de uma família da Bahia. Na época da separação do Brasil de Portugal , a família Guimarães tomaram o nome de uma árvore do cerrado: Aderne.”

Uma região que vai acolher o projeto que é um dos fortes esteios do meu trabalho de arte-educação em comunidade :

Olhos d’Água 

Conta como foi que nasceu o projeto ?

“Quando cheguei pra trabalhar em Brasília, a Universidade não tinha casa pra me oferecer, então me hospedou no Hotel Nacional. Eu fiquei com um problema porque eu tinha um filho de um ano. Resolvi comprar uma terrinha em Olhos d’Água e fomos construindo nos finais de semana.

Foi aí que eu conheci esse povo que tinha vivido uma experiência maravilhosa em termos culturais e que depois tinha perdido tudo isso com a construção de Brasília. Brasília foi aquela nave-mãe que desceu do espaço e que tomou conta da região sem trazer junto com os engenheiros, arquitetos, sociólogos e antropólogos comprometidos, que deveriam ter assegurado a continuidade da cultura dessa região. Em 1972 nós já tínhamos começado a perceber que Olhos D’Água tinha determinadas coisas que eu não sabia.

As casas eram todas fechadas. Tinha saído a sede do município para a beira da estrada na construção de Brasília e ali e virou um povoado que perdeu coisas preciosas como a sua tecnologia própria para serra d’água, que tinha energia na praça… Era puxar um fiozinho, amarrar com um prego e as luzes começavam a acender. Era uma coisa fantástica.”

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Conta como foi o processo?

“Eu pedi às professoras da escola que toda sexta-feira de tarde nós nos encontrássemos para conversar sobre as coisas da comunidade. Então foi assim que eu comecei a ouvir as histórias. Nós parávamos para tomar um chazinho, um chá de alfavaca, uma hora uma trazia um biscoitinho, outra hora uma trazia um pão de queijo e de repente nós estávamos ali revivendo momentos importantes da história da comunidade. Eu tomei conhecimento que não havia possibilidade nenhuma de comprar o sal dentro da região: era a única coisa que não podia comprar na região. Eles viajavam em viagem de carro de boi durante seis meses para ir e voltar no Triângulo Mineiro. Dessa viagem eles traziam aquilo que era mais necessário, um sapato para uma noiva… Porque todo o mais eles faziam ali. Eles curtiam o couro, faziam os sapatos, plantavam algodão, tingiam, fiavam, era tudo feito ali. Nem a roupa era comprada fora.

Então os mascates, eventualmente – muito raramente – passavam pela região, mas passavam mais os ciganos que traziam o cobre, traziam alguns elementos que vendiam também para a região. Os tachos para fazer os doces vinham dos ciganos. Nesse momento de idas e vindas eles traziam também os repasses da tecelagem da área do Triângulo. Eu ouvi que era ali que estava uma conexão maior com outra cultura da região. Mais tarde, nós criamos a Feira do Troca.
Criamos, porque eu vim ao Rio para um seminário.

Vim para ajudar a coordenação. Quando eu ouvi uma arte-educadora judia que vivia em Laranjeiras e que ela contou uma experiência que os meninos não davam mais bola para os brinquedos no prédio dela e então ela pensou que seria uma boa prática se uma vez por mês houvesse uma troca de brinquedos com as crianças do prédio. Foi assim que veio a déia para mim. Uma feira de trocas! A troca para eles é a “tiragem” aqui dessa região . A experiência que eles tinham antes da construção de Brasília era com a troca, com o escambo. Nós não podíamos chamar de Feira da Tiragem porque eu pensei assim, “o povo não vai saber o que é isso”. E assim nós chamamos de Feira do Troca que impulsionou as crianças a também fazerem as coisas que estavam sendo trocadas pelos seus pais, pelos avós, pelos seus padrinhos. As crianças começaram a querer aprender.

A feira foi criada no primeiro de junho e no primeiro domingo de dezembro

Era preciso resgatar tudo aquilo que estava morto. Então, era preciso que a gente desse um tempo para que as pessoas produzissem e no final desse tempo, que era seis meses, havia uma feira. E a feira virava exposição e virava o momento da festa também.

Essa experiência de Olhos D’Água foi muito importante. Mais importante do que qualquer outra experiência que eu tenha realizado na Universidade.

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Por quê foi tão importante?

“Porque era uma experiência com o povo diretamente. Com os fazeres culturais de uma população, com a sabedoria do povo. E estava antecipando aquilo tudo que Paulo Freire disse no momento em que eu o entrevistava para a minha tese.

“Paulo, qual o maior problema da educação?”
Ele disse assim, “É a dicotomia entre o fazer e pensar”.

Essa relação com a comunidade é uma relação entre fazer e pensar, o pensar da comunidade, a sabedoria do povo, mas também o sentido do povo, é a sua cultura, são as microrregiões brasileiras que fazem todos os Brasis que nós temos.
A escola foi criada para atender a formação das crianças da comunidade que tinham um determinado conceito de vida, um pensamento, uma linha de trabalho, mas a escola foi se distanciando dessa microrregião e a escola foi assumindo despoticamente a condição do processo sem ouvir aqueles que eram seus partícipes. Dentro dessa linha que a educação precisava retomar. Foi assim que em nossos encontros começamos a ver que precisávamos falar aquilo que era necessário na comunidade.
Olhos D´água criou para mim a necessidade de continuidade do processo, que foi o nascimento de um projeto muito mais amplo que nós estamos chamando Ecomuseu do Cerrado

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São sete municípios que a gente trabalha com ecologia humana, ambiental, social, cultura e desenvolvimento. A auto-sustentabilidade com bases na cultura, levando em conta que as grandes civilizações do mundo tiveram a cultura como carro-chefe e não carro de reboque como acontece no Brasil. Então nos temos que ter consciência também nas nossas reflexões que era necessário perseguir as estruturas adequadas que o Brasil já teve em termos de Educação, as escolas que foram fechadas como por exemplo, os Liceus de Artes e Ofícios. E foi nessa perseguição a essas metodologias e linhas de trabalho que mais tarde eu vim a criar em Belém uma experiência de dois anos, a implementação do Sistema de Educação e Cultura para o Desenvolvimento Sustentável.
Desse sistema nasceram dois liceus, resgatando a cerâmica marajó e tapajônica para um total de 1.200 crianças, esse liceu com três anos funcionamento ficou entre as cem melhores escolas do Brasil.E depois perdeu isso por causa da política partidária.

Mudou a política, quem está num partido não atende outro partido, porque partido não é inteiro e a sociedade é um todo, que deveria juntar as suas partes para ser um todo inteiro.Dentro dessa linha nós estamos perseguindo a própria arte-educação passe a trabalhar esse sentido da unidade na diversidade.

Eu convoco a ação dos arte-educadores para uma ação mais anarquista do que acadêmica para fazer a nossa vontade virar verdade. E esse país de muitos Brasis poder dar as mãos e efetivamente ser um país desenvolvido com base na sua cultura.

Assista também o vídeo integrante da exposição Relicário Olhos d’Água, de Zé Nobre. Vladimir Carvalho, TT Catalão, Dona Nega das Bonecas, Armando Faria, Seu Vicente dos Passarinhos, Sueli e Geraldo Gomes, Fatinha e Celino contam a historia da Feira do Troca.

Link dessa página: http://institutotear.org.br/5926