notas sobre uma personagem.
Por Fernanda Paixão
Adonirana Barbosa Luxo já se chamou Claudinete e foi casada com o cantor Adoniran em outras existências. Hoje, em sua vida atual, assume este nome. Luxo é um vulgo que expressa um pouco de sua personalidade. Adonirana ama músicas, tem uma playlist imensa, acumulada em suas diversas viagens pela Europa. Ela é brasileira, porém europeia de coração. Já viveu 5 mil anos, mas agora não assume idade nenhuma. Quando está de bom humor diz que é a vovó da balada. Tem um livro dourado, comprado em Paris, com suas frases de sabedoria e são inúmeras as frases que ali estão. Ela é convidada para alguns eventos em que as pessoas têm a honra de ouvir seus conhecimentos:
“A dança é incandescente aos olhos dos seres humanos”
“Os Doidos são mais felizes, porque conseguem expressar suas tristezas”
“O Infinito movimento é um ser exuberante”
Outras sabedorias só são reveladas em eventos restritos para amigos e familiares onde Adonirana se apresenta e mostra seus inúmeros talentos. Ela também é conhecida por outro nome, tem vinte e poucos anos e às vezes sente medo, angústia, não sai de casa sozinha, tem muitos amigos e faz aula de teatro em casa. O trabalho funciona como um Atendimento Residencial Artístico. Ela descobre cada vez mais sobre a Adonirana Barbosa Luxo na aula e fez um trato com a professora de teatro: na Adonirana estarão todos os sonhos, com a vovó da balada será possível concretizar amores, relações, talentos e tantas palavras que ficaram por serem ditas. Adonirana Barbosa Luxo é como a palavra que existe no ar, que já está escrita em seus pensamentos, nesta personagem a menina realiza tudo.
Segundo Patrice Pavis, “no teatro grego, a persona é a máscara, o papel assumido pelo ator (…) no entanto, apesar da “evidência” desta identidade entre um homem vivo e uma personagem, esta última, no início era apenas uma máscara. (…) É através do uso de pessoa em gramática que a persona adquire pouco a pouco o significado de ser animado e de pessoa, que a personagem teatral passa a ser uma ilusão da pessoa humana”. Será uma ilusão da pessoa humana?
No caso da menina que sonha dentro de seu apartamento e mergulha no mundo cibernético, tudo que uma personagem pode expressar não é um engano de percepções, nem uma mentira, muito menos um ilusionismo teatral. É o que poderia ter sido e, assim, o é. Dentro dessa explosão de realização existe na atuação do número artístico dirigido pela professora e apresentado com a máscara de Adonirana, um tom cômico, a brecha que a menina tem para rir de si mesma e do que ainda não consegue. Seus trabalhos geram o riso, o humor e a alegria que só as tentativas e erros daquele que ri de si podem gerar.
No teatro dramático, a identificação se sobrepôs ao distanciamento da máscara grega, o personagem romântico é cada vez mais próximo ao universo cotidiano, naturalista. Hoje, na palhaçaria contemporânea, que nasce no teatro (diferente da que tem origem no circo), a máscara do palhaço e da palhaça traz à tona o lado torpe e desajeitado, fracassos e angústias do ator que desenha a sua própria figura cômica. Neste sentido se aproxima levemente da identificação que o ator romântico tem com o seu personagem ao construí-lo. Porém o riso no trabalho do clown proporciona um paradoxal movimento de identificação e distanciamento, trazendo nas caricaturas, no exagero e na estética extracotidiana, um corpo expandido e livre da representatividade onde a plateia se vê exatamente na ação dos atores. No trabalho cômico da máscara contemporânea, o público se vê, mas se distancia de si através do riso que torna tudo pouco sério.
No processo da aula de teatro com a menina atriz a orientação segue um tom cômico com influências na palhaçaria contemporânea, porém não se consttui em um treinamento de palhaça propriamente dito. A escolha dramatúrgica para o número da personagem Adonirana Barbosa Luxo foi a realização de um show de talentos onde o público de amigos e familiares pode observar mímica, dança, canto e no final uma discotecagem oferecida pela persona que também é a DJ, a apresentação artística é uma festa, show e aniversário se fundem em um mesmo local.
Algumas palavras de ordem são escritas em placas e apresentadas ao público por uma assistente de palco de Adonirana (no caso, a professora de teatro): Aplausos, Mais Aplausos e Oh! Estímulos clássicos do palhaço de rua e do humor televisivo, onde encontramos as claques, trazem ao jogo da máscara luxuosa e célebre de Barbosa Luxo uma relação confortante com a plateia, para a menina que tem muito medo da cena. Os óculos escuros e uma peruca linda cumprem o papel de máscara e a jovem atriz consegue se entregar à diversão. A máscara nesse caso revela possibilidades de seu modo de existir e traz um contorno às suas ações, fazendo com que os olhares, o tempo e o ritmo, esteja dentro de uma estrutura reconhecida por ela ao longo das aulas de teatro. Além de estruturas de jogo, a presença da professora em cena atua como trampolim para o devaneio estético e o aterramento das ações. À medida que o tempo das aulas e a experiência com pequenas apresentações para familiares vão aumentando, as máscaras vão sendo retiradas ou reinventadas. Ao longo do tempo, o corpo da aprendiz vai tendo tanto protagonismo quanto sua mente, rápida, que transforma as emoções em avassaladoras sensações. Seus pés cambaleiam e a caminhada pela pequena sala do apartamento é difícil. O corpo, a coluna e os músculos são enrijecidos pela pouca disposição que a menina tem em se exercer, sua mente é tomada pela diversidade da internet.
No mundo cibernético, as conversas, os amores e as relações são facilmente cultivadas, até mesmo aquele parente mais próximo pode receber da menina mensagens calorosas. Paradoxalmente, na presença não virtual os músculos se intimidam e o pensamento é mais rápido que sua boca. Poucas são as expressões espontâneas: será que você vai ficar chateada com o que eu vou fazer? será que eles vão gostar? vão rir de mim? Eles vão achar a gente louca?(!) Essas e outras perguntas invadem o corpo paralisado daquela que consegue dar voz à exuberância de Adonirana de forma cada vez mais expressiva. Será a personagem uma ilusão da pessoa humana?
Algumas insPIRAÇÕES cibernéticas nos encontros com Adonirana:
https://www.youtube.com/watch?v=y-jUAIs89iE
https://www.youtube.com/watch?v=2EIeUlvHAiM
https://www.youtube.com/watch?v=y6oXW_YiV6g
https://www.youtube.com/watch?v=Mh8Rn-_cIvo
https://www.youtube.com/watch?v=tXbMrboHML8
https://www.youtube.com/watch?v=9n_MEVeH3Z4
https://www.youtube.com/watch?v=tmohIU5n6eE (este espetáculo foi visto pessoalmente no Centro cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro)