A palavra pode ser dita, lida, encenada e sentida de diferentes formas
por: Karen Kristien(*) para o Astrolábio
O coletivo Manguinhos em Cena nasceu em 2012 em um projeto de formação de um grupo teatral residente na biblioteca Parque de Manguinhos. O programa em que fomos abrigados se chama Palavra Lab, cujo propósito era abordar as potencialidades da palavra sob várias perspectivas, inclusive a expressão cênica. E assim, por estarmos abrigados dentro de uma biblioteca, nossa relação com os livros é de nascença. Ao longo de nossos encontros e reuniões sempre comentávamos sobre a necessidade de pensar arte para novos públicos. Dessa inquietação e vontade de realizar arte para atender a diversidade dos públicos a partir de suas necessidades e desejos surgiu a ideia de escrevermos um projeto para produção de audiolivros.
A palavra pode ser dita, lida, encenada e sentida de diferentes formas. Experimentar essas possibilidades enquanto artistas e compartilhar essa experiência com público é um de nossos propósitos. Transportar o que fazemos em cena para a voz, incorporando os personagens através das falas é um desafio que nos dispusemos vivenciar para ampliar nossos horizontes não só profissionalmente, mas principalmente no sentido das relações pessoais e cidadãs.
Construir esse trabalho nos fez compreender como é a experiencia cotidiana da deficiência visual e expandir nossos sentidos para novas leituras de vida. Ativar o imaginário e as subjetividades através da palavra falada nós permite criar novos estados e ambiências para o fazer artístico, para nossas subjetividades e também para nossas relações pessoais.
É importante destacar também que a cultura oral em nosso país é uma das mais fortes expressões culturais, que precisa ser preservada e difundida. Pensar na gravação de audiolivros também nos permitiu contribuir com a manutenção de nossas tradições e origens, e avivar próprias histórias e memórias.
A viabilização financeira se deve a um edital público de patrocínio de projetos o Fomento Carioca da Secretaria Municipal de Cultura em que fomos contemplados. Contamos com o apoio institucional da Rede Estadual de Bibliotecas Parque e do Instituto Benjamin Constant. E claro,com a dedicação e disponibilidade dos atores-ledores e de toda equipe artística e de produção que em seu conjunto envolveu mais de 30 profissionais.
Os audiolivros
Ao longo desses 04 anos de existência, enquanto grupo teatral, fomos apresentados a uma série de autores e gêneros literários. Parte dessas literaturas foram utilizadas em nossas criações e intervenções cênicas. Na seleção para gravação dos Audiolivros levamos em consideração essa relação anterior com os textos e os escritores. Nossos principais critérios foram os títulos que nos marcaram enquanto leitores e também como atores, a partir do acervo da Biblioteca Parque de Manguinhos, onde somos o grupo residente.
Também houve a preocupação em contemplar uma diversidade de temas e públicos para estes audiolivros, na coleção é possível ouvir desde história infantil à um roteiro teatral. Buscamos por títulos que não houvessem nos arquivos de acessibilidade destas bibliotecas, para aumentar o número de obras disponíveis nestes acervos. Assim possibilitamos novas descobertas para o público ouvinte.
Desta forma conseguimos construir um panorama temático amplo, que abrange temas como a construção de identidade, racismo e desigualdade social, tradições culturais do mundo; o Rio de Janeiro e suas contradições; a relação com a natureza; história política brasileira e o próprio fazer artístico.
O público
Esse projeto foi pensado desde a sua concepção para o público de deficientes visuais, pessoas com baixa visão e dificuldade na leitura, como é o caso das pessoas disléxicas e idosos. Logo buscamos atender os requisitos da acessibilidade, desde a definição do projeto gráfico, da impressão do material e pensando até mesmo em aspectos como no formato do audio, a quantidade de ledores e o local das gravações.
Incorporar a impressão em braile nas capas, o tamanho e cores da letras é o mínimo e obrigatório que um projeto como estes deve atender. As conversas com profissionais que atuam com acessibilidade e o universo artístico foi um cuidado que fez toda diferença na hora de pensar o formato final das nossas gravações. Convidamos uma profissional que já atua no universo da audiodescrição, a atriz Monica Magnani que realizou uma oficina de 03 meses junto aos nossos atores. Esse exercício foi voltado para preparação vocal e formas de leitura com intuito de nos revelar a importância das pausas e formas de expressar a emoção através da voz. Pois há diferenças significativas entre a voz do ator em cena, uma leitura dramatizada e a gravação dos audiolivros.
Para disseminar
Nosso parceiro o Instituto Benjamim Constant é uma instituição de ensino para deficientes visuais, um espaço dedicado a educação e integração social de pessoas cegas e com baixa visão. Foi fundamental para alcançarmos e nos relacionarmos com este público que até netão era novo para o nosso coletivo. No processo de gravação tivemos a rica experiência de fazer um teste de audibilidade com as crianças e também com os adolescentes. E recebemos o feddback a respeito do nosso formato e da recepção deles. Antes de executarmos as gravações não fazíamos ideia da riqueza de detalhes percebidas nos padrões diferentes de gravação de acordo com as variações de vozes, a linha fonográfica do estúdio, a faixa etária dos ouvintes e o gênero literário lido.
Além disso a coleção será distribuída gratuitamente para bibliotecas públicas do Rio de Janeiro que possuam seções de acessibilidade e estará disponível para uso e empréstimos de acordo com cada espaço.
A experiência
Essa é a nossa primeira experiência coletiva com a questão da acessibilidade, mas alguns integrantes do nosso grupo como a Thallysiane e a Thayane Aleixo fazem parte de um projeto a Secretaria Municipal de Saúde chamado RAP da Saúde onde tiveram contato com pessoas surdas e aprenderam a língua brasileira de sinais. Eu mesma, interessada em descobrir o universo da expressão e poética do corpo a partir da surdez, fui em busca do aprendizado de Libras no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Para este lançamento nós transformamos as leituras realizadas nas gravações dos Audiolivros em um sarau sensorial. Nosso coletivo é composto por artistas que atuam em diferentes linguagens, então reunimos artesanato, vídeo, música e poesia para essa intervenção artística. Nosso desejo é circular com este sarau por novos espaços e incorporarmos outras formas de contemplar a diversidade de públicos as nossas propostas artísticas.
Livros gravados:
A coleção de títulos variados de autores brasileiros reúne poesia, novelas, contos e literatura infanto-juvenil. Os livros e autores que integram a coleção são: “Clara dos Anjos” (Novela), de Lima Barreto; “O Homem que Contava Histórias” (Infanto-juvenil), de Roseane Pamplona e Sônia Magalhães; “O Mistério do Coelho Pensante” (infantil), de Clarice Lispector; “Menina Bonita do Laço de Fita” (Infantil), de Ana Maria Machado; “O Abraço” (Juvenil), de Lygia Bojunga; “Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo” (Poesia), de Manoel de Barros; “Baú de Espantos” (Poesia), de Mário Quintana; “José” (Poesia), de Carlos Drummond de Andrade; “Cordel” (Poesia), de Patativa do Assaré; e “Não Tenho Culpa de a Vida Ser como Ela É” (Contos), de Nelson Rodrigues.
Em breve eles estarão disponíveis nestas bibliotecas:
- Biblioteca do Instituto Benjamin Constant
- Biblioteca Parque de Manguinhos
- Biblioteca Parque Estadual
- Biblioteca Parque da Rocinha
- Biblioteca Parque do Alemão
- Biblioteca Parque de Niterói
- Biblioteca Popular do Rio Comprido
- Biblioteca Popular de Irajá
- Biblioteca Popular da Tijuca
- Biblioteca Popular de Botafogo
- Biblioteca Popular de Jacarepaguá
- Biblioteca Popular da Ilha do Governador
- e Biblioteca Popular de Campo Grande
(*) Karen Kristien é produtora do Coletivo Manguinhos em cena.
Mais informações sobre o coletivo através da página Manguinhos em Cena, pelo e-mail manguinhosemcena@gmail.com ou em contato com a produção no telefone (21) 98220-9943 .